Descoberta, invenção e inovação são termos que se confundem e normalmente são utilizados quando buscamos expressar novidades em relação ao status quo. Enquanto descoberta refere-se a algo que já existia e foi encontrado, tal como “a descoberta de um artefato arqueológico”, invenção refere-se à criação de algo novo: “Santos Dumont inventou o avião”, e a inovação, por sua vez, traz um viés de propor algo novo mas que possua um impacto mercadológico significativo: “O Iphone revolucionou a indústria de telecomunicação”.
Sobre descoberta
Processos ambientais são amplamente estudados, sistematicamente, desde que o Homo Sapiens se firmou como espécie. O estudo e compreensão dos fenômenos naturais é um dos principais habilitadores para o próspero sucesso do ser humano na Terra, desde o entendimento das estações do ano culminando no que hoje conhecemos por climatologia, até a descoberta dos fundamentos de engenharia culminando na construção de pirâmides por diversos povos antigos, tal como os egípcios, além da descoberta dos fundamentos da hidráulica gerando inúmeros projetos tal como os icônicos aquedutos romanos. Temos centenas de memoráveis exemplos que mostram a engenhosidade humana para superação de desafios. Com tantos anos de estudo sobre meio ambiente podemos nos perguntar: Ainda existe algo a se descobrir?
Sim, e muito!
Estudos e informações riquíssimas são produzidos todos os dias em nossas universidades nos cursos de Ciências da Terra, que tem esse nome em homenagem ao nosso Planeta Terra.
Avanços importantes para a sobrevivência humana estão sendo conquistados pelos times multidisciplinares que integram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC do inglês), que buscam trazer à comunidade não científica o estado da arte das ciências atmosféricas com informações que possam ser usadas como subsídios para frear as mudanças climáticas, que já são uma realidade evidente e que, se não tratadas, podem ser um evento catastrófico para a raça humana, equivalente com o que foi o meteoro para os dinossauros.
Geocientistas estão aperfeiçoando o entendimento de como as contaminações de novos poluentes persistentes estão colocando em risco a saúde humana, tal como o aparecimento de câncer e disfunções em populações inteiras, e buscando soluções de geoengenharia para conter e remediar essas contaminações ambientais, que impactam diretamente nossos lençóis freáticos, um recurso que é “invisível” ao grande público e que é extremamente importante em um cenário onde a disponibilidade hídrica tem se tornado um fator crítico para o planejamento urbano. De acordo com dados do órgão ambiental paulista – CETESB, apenas no Estado de São Paulo aproximadamente 80% dos municípios são total ou parcialmente abastecidos por águas subterrâneas.
Tantos outros exemplos de novas e importantes descobertas são parte do dia a dia quando buscamos pela informação adequada, provenientes de meios de informação que sigam corretamente o método científico e validado por pares, por exemplo, a famosa revista Nature.
Sobre invenção
Comumente pensamos em invenção como um artefato, dispositivo, hardware, ou algo que o esteja presente no mundo físico. A realidade é que com o advento da digitalização após o boom tecnológico promovido pelos computadores no início dos anos 90, boa parte das invenções surgiram também no mundo virtual, com softwares e algoritmos capazes de analisar big data – grandes volumes de dados. Essa massa de dados pode ser proveniente de sensores com leituras de campo onde a quantidade gerada de dados, até poucas décadas atrás, não era possível de ser analisada por um ser humano apenas. Esse volume incrível de dados torna possível a tomada de decisões em um cenário em que o aumento da resolução temporal e espacial permite que reduzamos as incertezas associadas aos métodos de medição tanto quanto possível.
Algoritmos de Data Science estão sendo desenhados para prever comportamentos ambientais com precisões nunca vistas antes, permitindo antever eventos catastróficos como furacões, deslizamentos de terra e chuvas torrenciais a partir de dados de entrada relativamente simples e de fácil obtenção em tempo hábil para mobilizar recursos e salvar vidas.
A invenção dos drones possibilitou uma gama de aplicações ambientais diversas, desde o mapeamento aéreo de culturas e proposição das melhores práticas agrícolas para aumento da produtividade da lavoura, até a utilização destes drones com sensores LiDAR (Light Detection and Ranging) – tecnologia que permite a determinação de distâncias – criando modelos digitais que representam as nuances da topografia de uma bacia hidrográfica com precisão centimétrica. Também possibilitou o uso de câmeras multiespectrais, que enxergam o que os olhos humanos não conseguem ver – as frequências no espectro do infravermelho e ultravioleta, por exemplo – que permitem identificar focos de incêndio, saúde vegetal ou lançamentos de efluentes indesejados.
A invenção de tecnologias imersivas, tal como os óculos de realidade virtual (tecnologia que permite ao usuário interagir com um novo ambiente totalmente digital – por exemplo o metaverso) e de realidade aumentada (tecnologia que permite trazer novas informações para o ambiente onde o usuário já se encontra – por exemplo quando capturamos um Pokémon no meio da sala de estar pelo jogo Pokémon Go), são tecnologias imersivas que permitem que especialistas de meio ambiente acessem áreas remotas sem estar necessariamente presentes fisicamente nessas áreas, sendo usadas tanto para inspeção de campo quando para treinamentos. Essas tecnologias além de serem muito eficientes evitam exposições ocupacionais desnecessárias, algo cada vez mais importante em um mundo em constantes mudanças devido aos efeitos globais de uma pandemia.
Temos também tecnologias inventadas que são habilitadoras para novas invenções, como por exemplo impressoras 3D – as tecnologias conhecidas como manufatura aditiva – que permitem a criação de peças a partir da sobreposição continua e progressiva de novas camadas de algum material de impressão, geralmente plástico, para a produção de peças de forma altamente escalável. A possibilidade de projetar peças para usos não imaginados faz das tecnologias de impressão 3D grandes coringas quando se pensa em invenções para o setor ambiental, desde a criação de peças sobressalentes e de reposição até materiais para aplicações disruptivas.
Sobre inovação
Talvez a inovação atualmente mais promissora e com potencial de gerar impactos ambientais positivos muito significativos – embora também alguns impactos negativos – é a criada em torno dos veículos elétricos. É inovação de fato, já que sacudiu o mercado. Novos players como a Tesla de Elon Musk, até então pouco conhecida, hoje se tornou a empresa com maior geração de receita no setor automotivo, ameaçando e mudando como seus concorrentes – que não são poucos nem pequenos – se posicionam neste mercado.
Se observarmos apenas a mudança incremental trazida pelo veículo elétrico como algo que te transporta e que passou de uso de combustíveis fósseis para elétrico, talvez não tenhamos a real dimensão do valor que essa cadeia trás, mas se olharmos de forma mais abrangente temos:
- Instale um painel solar;
- Gere eletricidade de baixo custo e limpa, já que reduz suas emissões de gases de efeito estufa – melhorando nossa situação frente as mudanças climáticas como mencionado acima;
- Se sua produção de eletricidade individual for maior que seu consumo você pode optar por enviar a energia para a rede elétrica de distribuição ou armazenar em uma grande bateria para consumir depois;
- Use seu veículo elétrico como essa bateria, que além de armazenar a energia para ser utilizada em sua casa ou escritório também vem com a função adicional de te transportar.
Genial!
Agora, analisando o lado não tão bonito, temos os impactos negativos desses veículos e baterias, que além de utilizarem recursos naturais como lítio, níquel, manganês e cobalto que podem ser poluentes e algumas vezes escassos, que demandam grandes áreas de exploração para sua aquisição, também não há uma governança estabelecida para a reciclagem e destinação final destes materiais, podendo gerar impactos severos ao meio ambiente e saúde humana – e talvez daí surja uma nova empresa de meio ambiente, que inove e consiga mitigar esses impactos ambientais, gerando assim um ciclo virtuoso da inovação.
O próximo na lista das potenciais inovações disruptivas é o metaverso, idealizado por Mark Zuckerberg, CEO da Meta (antigo Facebook). Em uma análise superficial, o metaverso pode ser confundido com um jogo, e as vezes até um pouco infantil, mas as oportunidades podem ser grandes, e a aplicação na indústria e, consequentemente seu impacto no meio ambiente, também.
Além de questões mais triviais, como a redução na necessidade de locomoção já que a sociedade estará adaptada a se encontrar em formato virtual – onde estaria o Metaverso – que impactaria na cadeia produtiva de automóveis e de transporte de passageiros, talvez em níveis semelhantes aos observados durante o lockdown no auge da pandemia, temos questões não tão óbvias que permeiam o Metaverso, tal como as tecnologias de Digital Twins (ou gêmeos digitais), que na prática são representações exatas de um ativo, que pode ser uma fábrica, um dispositivo, um motor, uma tubulação ou até mesmo de um organismo vivo! Essas representações digitais, quando combinadas com tecnologias de sensorização e comunicação em nuvem – tal qual o IoT (do inglês, Internet das Coisas) – e algoritmos de aprendizagem de máquina (ou inteligência artificial no nome mais amplo e comercial), permite que ambientes virtuais como o Metaverso sejam excelentes para testar comportamentos e realizar predições a partir de variações de condições pré-estabelecidas. Talvez com um adequado Digital Twin, não haveria ocorrido o desastre nuclear de Chernobyl, fruto de uma série de falhas que começou – incrivelmente – com um teste de segurança.
Não há dúvidas que ainda há espaço de sobra para descobrir, inventar e inovar no segmento de meio ambiente. Investimentos robustos têm sido feito no mercado ambiental para promover a evolução da Indústria Ambiental 4.0, promovendo sua digitalização, integração de sistemas e conectividade em níveis nunca imaginados, e possibilitando que, como seres humanos, consigamos ainda resgatar diversos insights a partir dos dados ambientais que promovam ações responsáveis e embasadas para garantir nosso futuro saudável e com qualidade de vida.
Sobre o autor
Calvin Stefan iost é mestre em meio ambiente e energia pela USP (IEE), engenheiro ambiental pela UNESP e de segurança do trabalho pela USP (PECE POLI), tem pós graduação em gestão de áreas contaminadas, trabalhou por mais de 10 anos em consultoria ambiental e atua como líder do setor de inovação e digitalização da Cetrel, empresa com mais de 40 anos de experiência com meio ambiente. Contato: https://www.linkedin.com/in/calvin-iost/